terça-feira, 22 de março de 2011

O BICHO

o bicho vivia na mata; livre, selvagem, indomado
caçando se tinha fome, dormindo se tinha sono, copulando quando no cio
o bicho era bicho solto

um dia, um pedaço de carne numa clareira, e o bicho seduzido
o bicho era sorrateiro, apanhava a barganha e fugia rápido, quase imperceptível
e todo dia ele voltava naquele lugar
e todo dia havia pedaço de carne mais suculento que o anterior
conquistado pela oferta fácil e cada vez mais abundante
o bicho abriu a guarda
o bicho acostumou

o bicho foi aprisionado

colocaram-no numa gaiola
tiraram-no do seu mato
reproduziram seu ambiente em plástico
naquele zoo
o bicho estava para ser visto
o bicho estava domado
o bicho era bicho cativo

dia após dia gente passava pelo seu cárcere
olhavam-no com curiosidade, ofereciam-lhe alimento
esperavam ansiosamente o momento
em que o bicho fosse bicho
tão agradável e seguro que ele fosse bicho dali de dentro!
que deleite aquelas barras de ferro, que maravilha, finalmente temos o bicho!

mas o bicho, murcho. sem vida. sem cor.
sem saber se ainda era bicho, ou se era artefato

“queremos ver o bicho rugir!”- diziam
e o adestrador cutucava o bicho, espezinhava o bicho, provocava o bicho
o bicho rugia, toda a gente aplaudia
davam-lhe mais uma porção, e passavam adiante
o próximo bicho, o próximo habitat inventado


e ficou assim até o seu fim
criado domesticado, esperando uma mão entre as grades,
um pedaço de carne e um agrado,
alguém qualquer que quisesse seu rugido murcho de bicho- espetáculo.



"O bicho, meu Deus, era um homem."
Manuel Bandeira

fonte: http://www.pitty.com.br/blog.php

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